Nós estamos submetidos a uma nova
ordem social e preocupados com os impactos da dinâmica decorrente do
distanciamento social na estrutura mundial, na economia, nas nossas finanças,
em nossas rotinas e na nossa saúde, física e mental. Mas quantos de nós já
pararam para pensar sobre o relevante impacto que a quarentena está tendo sobre
nossas crianças?
Esses pequenos seres viram suas
rotinas mudarem drasticamente da noite para o dia, sendo afastados do convívio
das pessoas com quem se relacionavam diariamente, como avós, professores,
colegas, babás e cuidadores.
Suas atividades rotineiras
sumiram. Não há mais prática de esportes, aulas de música, dança, balé. Não há
mais idas aos parques e pracinhas. As aulas passaram a ocorrer através da tela
do computador ou do celular. Um afastamento muito mais drástico do que apenas
físico.
Filhos únicos deixaram de
conviver com outras crianças, com seus pares, com quem aprendem através da
troca de experiências, com quem se relacionam em um nível de igualdade, com
quem se divertem e compartilham suas ideias e sentimentos.
Essas crianças estão agora
isoladas do seu mundo e restritas ao ambiente familiar, que na melhor das
hipóteses está caótico, convivendo com pais que fazem o melhor possível para
conciliar atividades profissionais e domésticas ao mesmo tempo em que dedicam a
atenção que podem aos filhos.
A sobrecarga dos pais faz com que
tenham menos paciência e menos tolerância com as demandas constantes dos
filhos, em especial dos pequenos, que são os mais impactados neste momento.
Nós, ansiosos, cansados, preocupados e sobrecarregados, exigimos das nossas
crianças aquilo que muitas vezes nem nós mesmos conseguimos oferecer.
Queremos que eles fiquem em
silêncio, que nos deem licença e tenham paciência para esperar o momento em que
poderemos lhes dar atenção. Pedimos que não reclamem da nossa ausência
emocional, enquanto estamos presentes fisicamente, mas nossa atenção está
voltada para o trabalho, para cozinhar o almoço e organizar a casa.
Nós exigimos deles muito mais do
que eles têm condição de nos oferecer.
O caos também os afeta, embora
eles demonstrem isso de outras formas. Nossas emoções também os impactam e
interferem em seu humor, em sua própria capacidade emocional, que nós
negligenciamos.
Negligenciamos porque estamos
sobrecarregados, porque nós mesmos não paramos para atender nossas próprias
demandas emocionais; porque nós mesmos por vezes negamos nossos próprios
sentimentos; evitamos lidar com eles, pois às vezes é doloroso demais; pois nós
também não fomos ensinados a compreender e nomear nossas emoções, a
respeitá-las e demonstrá-las de forma saudável.
Nós negligenciamos a saúde
emocional dos nossos filhos porque também o fazemos com a nossa própria. Porque
não estamos preparados para lidar nem com as nossas próprias demandas
emocionais, quanto mais com as dos nossos filhos.
Eles estão sofrendo. E na maioria
dos casos, sofrendo calados. Sofrendo reprimidos porque exigimos que eles
tenham calma e paciência; que eles se adaptem à nova rotina, que eles não
escolheram e que não compreendem. Exigimos que eles nos ajudem, quando muitas
vezes não conseguimos perceber que eles também querem e precisam da nossa
ajuda.
Não é uma questão de realizar
atividades, fazer brincadeiras, ajudar nas tarefas da escola e participar das
aulas online. É mais do que isso.
É perceber as nuances dos seus
conflitos emocionais e da forma como eles tentam demonstrá-los, muitas vezes
através de birras e mau comportamento. Nós apenas os repreendemos, intolerantes
às suas atitudes, quando na realidade elas são a forma mais básica de pedidos
de ajuda.
Nossas crianças estão carentes,
deprimidas e isoladas emocionalmente, ainda que sorriam, brinquem e estejam
enérgicas na maior parte do tempo. Elas precisam de apoio emocional, de
dedicação dos pais e responsáveis para ouvi-los, conversar com eles, ajuda-los
a entender seus sentimentos e ensiná-los a respeitá-los, reconhecê-los e
expressá-los de formas saudáveis.
O momento é caótico sim, e
estamos sobrecarregados em nosso ambiente familiar com milhares de demandas
concomitantes que não temos estrutura para atender. Mas entre limpar os
banheiros e tirar o pó dos móveis e atender às demandas emocionais dos nossos
filhos, estas devem vir em primeiro lugar.
Um levantamento realizado na
província chinesa de Xianxim com 320 crianças e adolescentes, revelou os
principais efeitos psicológicos mais imediatos da pandemia: dependência
excessiva dos pais, desatenção, preocupação, problemas de sono, falta de
apetite, pesadelos, desconforto e agitação.
As restrições decorrentes do
confinamento afetam principalmente o gasto de energia pelas crianças,
especialmente em idade entre 3 e 8 anos, em que as demandas físicas são muito
importantes. A redução no gasto de energia costuma gerar agitação,
irritabilidade, alterações no sono e na alimentação, tudo decorrente de uma
ansiedade experimentada pelas crianças.
“Na primeiríssima
infância, nos primeiros mil dias do bebê, ele só vai perceber o estresse em
função da interação com a mãe ou o cuidador. Já em crianças entre 3 e 6 anos, o
impacto será sentido em termos de organização da nova rotina, tentativas de
entendimento das mudanças e até uma possível relação com a doença e a morte.
Fora que, nessa fase, elas necessitam de mais espaço para explorar o mundo, o
que faz parte da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo.“ (Guilherme
Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP)).
As crianças menores também podem
apresentar comportamentos regressivos, como voltar a pedir chupeta, regredir no
desfralde, necessitar da companhia dos pais para dormir. Estas são formas da
criança expressar sua insegurança diante das mudanças no ambiente. Neste momento,
elas precisam de acolhimento, que vai se traduzir em sensação de segurança, que
é algo que somente seus pais e responsáveis podem oferecer.
O medo da contaminação também
pode criar ansiedade nas crianças, mesmo nas menores, que não entendem
exatamente o impacto de tudo isso, e levar a dúvidas e medos relacionados à
morte e à perda, especialmente das pessoas com quem convive. Elas precisam de
diálogos sinceros e acolhimento, pois a ansiedade e depressão não acometem
apenas adultos, e apesar de serem expressas de formas diferentes nas crianças,
a intensidade pode ser a mesma que nos adultos.
Por isso é necessário observar
atentamente seus comportamentos e cuidar da sua saúde emocional, pois estes são
impactos de curto prazo, mas existem tantos a longo prazo, muitos que sequer
temos ciência ainda.
O surgimento de transtornos e
distúrbios, em crianças que já possuem alguma suscetibilidade, alterações
cognitivas, dificuldades no aprendizado, transtornos sociais, depressão e
ansiedade são apenas alguns dos impactos a curto, médio e longo prazo que as
crianças podem apresentar em decorrência da afetação de sua saúde emocional
durante o isolamento social.
“[...] é importante
ter em mente que, se o momento atual é estressante para os adultos, é ainda
mais difícil para crianças e adolescentes. Como seu sistema cognitivo e emocional
não está plenamente desenvolvido, a maneira pela qual enfrentarão o problema
dependerá em grande parte da conduta e manejo dos pais. A depender do tempo e
da extensão do isolamento social, conflitos variados no contexto familiar podem
surgir. Paciência e clareza de pensamento certamente auxiliarão os pais a
contornarem as situações difíceis. Se necessário, deve-se procurar auxílio
junto aos profissionais da saúde e educação, que lidam com a problemática da
infância e adolescência.” (Sônia das Dores Rodrigues, psicopedagoga e
psicomotricista, vice-presidente da ABENEPI – Associação Brasileira de
Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins)
Por isso a importância de
refletirmos sobre esse assunto, buscar informações, dialogar em nossas famílias
e buscar dar mais atenção à nossa saúde emocional para poder ajudar a cuidar da
saúde emocional dos nossos filhos.
O Hospital Das Clinicas Da
Faculdade De Medicina De Ribeirão Preto – USP criou uma cartilha com orientação
aos pais sobre os cuidados com a saúde mental na quarentena (http://www.hcrp.usp.br/CER/upload/Orientacao_aos_pais_cuidados_com_saude_mental_na_quarentena.pdf),
e o Laboratório Inteligência de Vida elencou algumas dicas sobre como manter o
equilíbrio das crianças no isolamento (https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-06/veja-dicas-para-manter-equilibrio-emocional-de-criancas-na-quarentena).
Dicas como criar rotinas
acessíveis e flexíveis para o cotidiano; respeitar a necessidade de
descanso, criando hiatos entre as
atividades e oportunizando rotinas de sono adequadas à idade e necessidade das
crianças; cuidados com a alimentação, evitando substituir refeições saudáveis
por lanches; estimular a autonomia e independência, através da prática de
atividades, brincadeiras e tarefas por conta própria; incentivar a participação das crianças nas
tarefas domésticas, cuidando para que sejam apropriadas à idade e com foco no
aprendizado, mais do que no objetivo final; flexibilizar o uso de telas, mas
com cuidado sobre o conteúdo e ensinando sobre o uso responsável da tecnologia;
impulsionar o contato com parentes e amigos através de ligações, chamadas de
vídeo e mesmo redes sociais, mantendo e fortalecendo o vínculo das crianças com
as pessoas queridas; e, principalmente, humanizar-se.
"Ainda não
sabemos que geração é essa que irá sair da quarentena. Vai depender muito do
emocional dos pais, que são a fortaleza e rocha dos filhos". (Deborah
Moss, neuropsicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela
Universidade de São Paulo (USP).
Pais são fortalezas para os
filhos não porque estão sempre seguros e confiantes, mas porque demonstram que
mesmo diante das adversidades estarão presentes para os filhos e uns para os
outros. É importante poder compartilhar com as crianças suas próprias dificuldades
emocionais. Isso gera aproximação e as crianças compreendem que seus
sentimentos são normais e experimentados por todos, inclusive pelos pais.
Não precisamos fingir que estamos
bem para que as crianças se sintam seguras. Precisamos mostrar que também somos
humanos, que temos dificuldades para enfrentar certas situações, mas que nos
empenhamos mesmo assim. Devemos demonstrar que também experimentamos os mesmos
sentimentos, por vezes negativos, mas que os acolhemos e buscamos formas
saudáveis para lidar com eles.
Primeiro precisamos encontrar
nosso próprio equilíbrio emocional, para então ajudar nossos filhos a encontrar
o seu. Mas para isso, precisamos entender a importância da saúde emocional,
especialmente neste momento caótico, e encontrar formas de dar a ela a atenção
necessária. Assim, todos nós poderemos enfrentar e superar esse momento
histórico tão impactante da forma mais saudável possível.
É mesmo...nossos pequenos realmente precisam de muito amor e compreensão neste momento complicado. Com paciência, fé e sabedoria vamos, aos poucos, descobrindo os caminhos. E é o que eu sempre digo: Podia ser pior
ResponderExcluirGostei muito da reflexão
ResponderExcluirExcelente! Bem isso mesmo! Mais amor, atenção e compreensão aos nossos pequenos.
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