SAÚDE EMOCIONAL DAS CRIANÇAS NA QUARENTENA - P. G. S. ZAGO (TEXTO ORIGINAL)

 


Nós estamos submetidos a uma nova ordem social e preocupados com os impactos da dinâmica decorrente do distanciamento social na estrutura mundial, na economia, nas nossas finanças, em nossas rotinas e na nossa saúde, física e mental. Mas quantos de nós já pararam para pensar sobre o relevante impacto que a quarentena está tendo sobre nossas crianças?

Esses pequenos seres viram suas rotinas mudarem drasticamente da noite para o dia, sendo afastados do convívio das pessoas com quem se relacionavam diariamente, como avós, professores, colegas, babás e cuidadores.

Suas atividades rotineiras sumiram. Não há mais prática de esportes, aulas de música, dança, balé. Não há mais idas aos parques e pracinhas. As aulas passaram a ocorrer através da tela do computador ou do celular. Um afastamento muito mais drástico do que apenas físico.

Filhos únicos deixaram de conviver com outras crianças, com seus pares, com quem aprendem através da troca de experiências, com quem se relacionam em um nível de igualdade, com quem se divertem e compartilham suas ideias e sentimentos.

Essas crianças estão agora isoladas do seu mundo e restritas ao ambiente familiar, que na melhor das hipóteses está caótico, convivendo com pais que fazem o melhor possível para conciliar atividades profissionais e domésticas ao mesmo tempo em que dedicam a atenção que podem aos filhos.

A sobrecarga dos pais faz com que tenham menos paciência e menos tolerância com as demandas constantes dos filhos, em especial dos pequenos, que são os mais impactados neste momento. Nós, ansiosos, cansados, preocupados e sobrecarregados, exigimos das nossas crianças aquilo que muitas vezes nem nós mesmos conseguimos oferecer.

Queremos que eles fiquem em silêncio, que nos deem licença e tenham paciência para esperar o momento em que poderemos lhes dar atenção. Pedimos que não reclamem da nossa ausência emocional, enquanto estamos presentes fisicamente, mas nossa atenção está voltada para o trabalho, para cozinhar o almoço e organizar a casa.

Nós exigimos deles muito mais do que eles têm condição de nos oferecer.

O caos também os afeta, embora eles demonstrem isso de outras formas. Nossas emoções também os impactam e interferem em seu humor, em sua própria capacidade emocional, que nós negligenciamos.

Negligenciamos porque estamos sobrecarregados, porque nós mesmos não paramos para atender nossas próprias demandas emocionais; porque nós mesmos por vezes negamos nossos próprios sentimentos; evitamos lidar com eles, pois às vezes é doloroso demais; pois nós também não fomos ensinados a compreender e nomear nossas emoções, a respeitá-las e demonstrá-las de forma saudável.

Nós negligenciamos a saúde emocional dos nossos filhos porque também o fazemos com a nossa própria. Porque não estamos preparados para lidar nem com as nossas próprias demandas emocionais, quanto mais com as dos nossos filhos.

Eles estão sofrendo. E na maioria dos casos, sofrendo calados. Sofrendo reprimidos porque exigimos que eles tenham calma e paciência; que eles se adaptem à nova rotina, que eles não escolheram e que não compreendem. Exigimos que eles nos ajudem, quando muitas vezes não conseguimos perceber que eles também querem e precisam da nossa ajuda.

Não é uma questão de realizar atividades, fazer brincadeiras, ajudar nas tarefas da escola e participar das aulas online. É mais do que isso.

É perceber as nuances dos seus conflitos emocionais e da forma como eles tentam demonstrá-los, muitas vezes através de birras e mau comportamento. Nós apenas os repreendemos, intolerantes às suas atitudes, quando na realidade elas são a forma mais básica de pedidos de ajuda.

Nossas crianças estão carentes, deprimidas e isoladas emocionalmente, ainda que sorriam, brinquem e estejam enérgicas na maior parte do tempo. Elas precisam de apoio emocional, de dedicação dos pais e responsáveis para ouvi-los, conversar com eles, ajuda-los a entender seus sentimentos e ensiná-los a respeitá-los, reconhecê-los e expressá-los de formas saudáveis.

O momento é caótico sim, e estamos sobrecarregados em nosso ambiente familiar com milhares de demandas concomitantes que não temos estrutura para atender. Mas entre limpar os banheiros e tirar o pó dos móveis e atender às demandas emocionais dos nossos filhos, estas devem vir em primeiro lugar.

Um levantamento realizado na província chinesa de Xianxim com 320 crianças e adolescentes, revelou os principais efeitos psicológicos mais imediatos da pandemia: dependência excessiva dos pais, desatenção, preocupação, problemas de sono, falta de apetite, pesadelos, desconforto e agitação.

As restrições decorrentes do confinamento afetam principalmente o gasto de energia pelas crianças, especialmente em idade entre 3 e 8 anos, em que as demandas físicas são muito importantes. A redução no gasto de energia costuma gerar agitação, irritabilidade, alterações no sono e na alimentação, tudo decorrente de uma ansiedade experimentada pelas crianças.

“Na primeiríssima infância, nos primeiros mil dias do bebê, ele só vai perceber o estresse em função da interação com a mãe ou o cuidador. Já em crianças entre 3 e 6 anos, o impacto será sentido em termos de organização da nova rotina, tentativas de entendimento das mudanças e até uma possível relação com a doença e a morte. Fora que, nessa fase, elas necessitam de mais espaço para explorar o mundo, o que faz parte da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo.“ (Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)).

As crianças menores também podem apresentar comportamentos regressivos, como voltar a pedir chupeta, regredir no desfralde, necessitar da companhia dos pais para dormir. Estas são formas da criança expressar sua insegurança diante das mudanças no ambiente. Neste momento, elas precisam de acolhimento, que vai se traduzir em sensação de segurança, que é algo que somente seus pais e responsáveis podem oferecer.

O medo da contaminação também pode criar ansiedade nas crianças, mesmo nas menores, que não entendem exatamente o impacto de tudo isso, e levar a dúvidas e medos relacionados à morte e à perda, especialmente das pessoas com quem convive. Elas precisam de diálogos sinceros e acolhimento, pois a ansiedade e depressão não acometem apenas adultos, e apesar de serem expressas de formas diferentes nas crianças, a intensidade pode ser a mesma que nos adultos.

Por isso é necessário observar atentamente seus comportamentos e cuidar da sua saúde emocional, pois estes são impactos de curto prazo, mas existem tantos a longo prazo, muitos que sequer temos ciência ainda.

O surgimento de transtornos e distúrbios, em crianças que já possuem alguma suscetibilidade, alterações cognitivas, dificuldades no aprendizado, transtornos sociais, depressão e ansiedade são apenas alguns dos impactos a curto, médio e longo prazo que as crianças podem apresentar em decorrência da afetação de sua saúde emocional durante o isolamento social.

“[...] é importante ter em mente que, se o momento atual é estressante para os adultos, é ainda mais difícil para crianças e adolescentes. Como seu sistema cognitivo e emocional não está plenamente desenvolvido, a maneira pela qual enfrentarão o problema dependerá em grande parte da conduta e manejo dos pais. A depender do tempo e da extensão do isolamento social, conflitos variados no contexto familiar podem surgir. Paciência e clareza de pensamento certamente auxiliarão os pais a contornarem as situações difíceis. Se necessário, deve-se procurar auxílio junto aos profissionais da saúde e educação, que lidam com a problemática da infância e adolescência.” (Sônia das Dores Rodrigues, psicopedagoga e psicomotricista, vice-presidente da ABENEPI – Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins)

Por isso a importância de refletirmos sobre esse assunto, buscar informações, dialogar em nossas famílias e buscar dar mais atenção à nossa saúde emocional para poder ajudar a cuidar da saúde emocional dos nossos filhos.

O Hospital Das Clinicas Da Faculdade De Medicina De Ribeirão Preto – USP criou uma cartilha com orientação aos pais sobre os cuidados com a saúde mental na quarentena (http://www.hcrp.usp.br/CER/upload/Orientacao_aos_pais_cuidados_com_saude_mental_na_quarentena.pdf), e o Laboratório Inteligência de Vida elencou algumas dicas sobre como manter o equilíbrio das crianças no isolamento (https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-06/veja-dicas-para-manter-equilibrio-emocional-de-criancas-na-quarentena).

Dicas como criar rotinas acessíveis e flexíveis para o cotidiano; respeitar a necessidade de descanso,  criando hiatos entre as atividades e oportunizando rotinas de sono adequadas à idade e necessidade das crianças; cuidados com a alimentação, evitando substituir refeições saudáveis por lanches; estimular a autonomia e independência, através da prática de atividades, brincadeiras e tarefas por conta própria;  incentivar a participação das crianças nas tarefas domésticas, cuidando para que sejam apropriadas à idade e com foco no aprendizado, mais do que no objetivo final; flexibilizar o uso de telas, mas com cuidado sobre o conteúdo e ensinando sobre o uso responsável da tecnologia; impulsionar o contato com parentes e amigos através de ligações, chamadas de vídeo e mesmo redes sociais, mantendo e fortalecendo o vínculo das crianças com as pessoas queridas; e, principalmente, humanizar-se.

"Ainda não sabemos que geração é essa que irá sair da quarentena. Vai depender muito do emocional dos pais, que são a fortaleza e rocha dos filhos". (Deborah Moss, neuropsicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP).

Pais são fortalezas para os filhos não porque estão sempre seguros e confiantes, mas porque demonstram que mesmo diante das adversidades estarão presentes para os filhos e uns para os outros. É importante poder compartilhar com as crianças suas próprias dificuldades emocionais. Isso gera aproximação e as crianças compreendem que seus sentimentos são normais e experimentados por todos, inclusive pelos pais.

Não precisamos fingir que estamos bem para que as crianças se sintam seguras. Precisamos mostrar que também somos humanos, que temos dificuldades para enfrentar certas situações, mas que nos empenhamos mesmo assim. Devemos demonstrar que também experimentamos os mesmos sentimentos, por vezes negativos, mas que os acolhemos e buscamos formas saudáveis para lidar com eles.

Primeiro precisamos encontrar nosso próprio equilíbrio emocional, para então ajudar nossos filhos a encontrar o seu. Mas para isso, precisamos entender a importância da saúde emocional, especialmente neste momento caótico, e encontrar formas de dar a ela a atenção necessária. Assim, todos nós poderemos enfrentar e superar esse momento histórico tão impactante da forma mais saudável possível.

Comentários

  1. É mesmo...nossos pequenos realmente precisam de muito amor e compreensão neste momento complicado. Com paciência, fé e sabedoria vamos, aos poucos, descobrindo os caminhos. E é o que eu sempre digo: Podia ser pior

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  2. Excelente! Bem isso mesmo! Mais amor, atenção e compreensão aos nossos pequenos.

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