PORÉM BRUXA – CAROL CHIOVATTO

 

Esta é uma história de fantasia contemporânea ambientada na cidade de São Paulo e conta a história de uma bruxa, chamada Ísis, cuja função é investigar o uso indevido e perigoso de magia na maior capital do país e proteger os comuns – humanos – contra os riscos e danos do uso de magia negra.

Como leitora contumaz de literatura fantástica, preciso ressaltar a importância de encontrar obras escritas por autores brasileiros, em cenários nacionais e que exploram com a mesma – ou até mais – excelência o universo fantástico que é tão rotineiramente explorado por autores estrangeiros.

A grande diferença entre as obras de fantasia estrangeiras e as brasileiras é que aquelas só chegam para nós quando estão no topo das paradas, cinematografadas, na lista dos best sellers, enquanto, como brasileiros, temos acesso a todas as obras nacionais, mesmo as de autores iniciantes e não badalados.

Se engana quem acha que os estrangeiros é que possuem domínio desse gênero literário, e Carol Chiovatto é uma das tantas autoras brasileiras de fantasia que está aí para provar que as obras nacionais são tão potentes, inteligentes, relevantes e incríveis quanto às estrangeiras, ou até mais!

Viajar pelo mundo da magia em uma cidade que faz parte do território nacional, com personagens brasileiros, que esboçam justamente essas características, aproxima o viajante do universo fantástico e torna a história mais contundente e próxima da realidade, apesar dos elementos de ficção que mexem com a imaginação e instigam a criatividade.

Ísis é uma personagem bastante realista, amargurada pelos traumas que sofreu ao longo da vida – e nem todos são revelados ao longo do livro, deixando margem para uma continuação e para a imaginação do leitor – e cínica e descrente da capacidade das autoridades conduzirem de forma justa, correta e igualitária as situações.

Seu senso de justiça é tamanho que ela viola as regras, do mundo real e do mudo mágico, para fazer aquilo que é certo, ajudar as pessoas em situação de risco, mesmo as não envolvidas em situações mágicas, que são de fato a sua jurisdição, mesmo quando isso pode colocar ela própria em risco.

O livro, além de mistérios muito bem tramados e muita ação no confronto final, traz outro elemento extremamente importante, que é uma crítica à corrupção, à sociedade paternalista, à intolerância religiosa, ao abuso moral e à má condução da justiça no país, exaltando sempre o papel das mulheres na comunidade, de forma natural e necessária.

Além disso, os estereótipos escolhidos para os personagens coadjuvantes, amigos de Ísis, também garante a diversidade e pluralidade cultural, tipicamente brasileiras, e representatividade, o que é de extrema relevância sempre.

Inicialmente, eu não me identifiquei muito com Ísis, por ela ser tão amargurada, mas à medida que sua história vai se desenvolvendo, é possível entender as razões de ela ser tão cética em confiar nas pessoas, à exceção de sua especial rede de amigos, e então é possível simpatizar com suas batalhas e se identificar com seu senso de justiça e sua determinação, mesmo diante das suas fraquezas, o que é comum a todos os seres humanos, mágicos ou não.

Eu, que adoro encontrar romance nos livros de fantasia, senti falta de um maior envolvimento entre Ísis e Vitor, mas ficou plenamente claro e aceitável as razões por trás do relacionamento platônico dos dois e o final – sem spoilers – deixa uma pitada de curiosidade sobre uma possível continuação e margem para imaginar o desenrolar dessa relação, mesmo fora das páginas deste livro.

Faça as malas e percorra as ruas paulistanas ao lado da determinada e afiada Ísis e tente desvendar os mistérios que se apresentam e se interligam ao seu redor, enquanto é brindado por elementos de extrema relevância individual e social nas páginas dessa fantasia contemporânea nacional tão incrível e necessária.

Vamos viajar?

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