MEU AMADO JORGE

Nas palavras de Ana Maria Machado, Presidente da Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado é um clássico porque está sempre se renovando. Sua frase não poderia ser mais verdadeira. O clássico somente se torna clássico por se atemporal; por ter a habilidade de cativar gerações, seus personagens vincularem leitores de diferentes idades e contextos sociais e culturais, seu pano de fundo conseguir se fundir com as questões atuais.

Jorge Amado é um autor clássico e suas obras são dotadas dessas características. Não é à toa que ele é o terceiro autor brasileiro mais traduzido no mundo e que suas obras inspiraram tantos filmes, novelas e minisséries, e continuam angariando leitores nos dias de hoje.

A maioria de nós já leu Jorge Amado, nem que de forma forçada, na escola ou nos estudos para o vestibular, e talvez essa leitura forçada seja responsável por afastar muitos leitores dos prazeres contidos nos seus livros. Afinal, a leitura forçada dificilmente agrada, pois falta a empatia, falta o contexto histórico-cultural, falta a vivência necessária para compreender e se apaixonar por este tipo de leitura.

Contudo, nunca é tarde demais para vencer traumas antigos e dar uma nova oportunidade a leituras tão ricas e memoráveis.

"O amor não se prova, nem se mede. É como Gabriela. Existe, isso basta- falou João Fulgêncio- O fato de não se compreender ou explicar uma coisa não acaba com ela. Nada sei das estrelas, mas as vejo no céu, são a beleza da noite."

Poderia ter escolhido qualquer um de seus livros, mas nesta resenha, optei por um dos meus preferidos, talvez pelo fato de dividir com a personagem principal o meu nome.

Minha cor não é de canela e meu cheiro não é de cravo, mas sou Gabriela. Todas nós mulheres somos um pouco Gabriela, esta personagem feminina de tamanha riqueza, que rompia barreiras há mais de 60 anos, quando o livro foi publicado, e quase 100 anos, considerando o ano em que se passa o seu romance com o sírio Nacib.

Gabriela é um espírito livre, sem amarras, emocionais, internas e sociais, e se deixa saborear a vida em plenitude. Gabriela é extremamente ligada aos prazeres, não apenas sexuais. Ela ama tudo aquilo que a faz sentir-se em liberdade, consigo mesma e com o mundo. Quem dera pudéssemos ser mais Gabriela e nos dar o luxo da liberdade.

Este livro é sim marcado por muitas cenas sensuais, que são escritas de forma belíssima, e muito erotismo, mas não se resume a isso. Também não se resume ao romance entre Gabriela e Nacib, ainda que este seja o enredo principal.

Jorge Amado consegue pintar nitidamente os cenários de Ilhéus e seus lugares pitorescos e peculiares, enquanto dá uma aula de história brasileira, narrando a política local, os valores morais, a hipocrisia social, e a economia centrada no cacau.

Este livro também proporciona uma viagem através dos dilemas emocionais desse casal tão diferente e tão apaixonado, que personificam a oposição entre os costumes tradicionais e a modernidade, o culto e o popular, a contenção e a libertação.

De um lado, há a coragem de Nacib em superar seus preconceitos sociais e casar-se com Gabriela, duelando com seus princípios e valores e com suas noções sociais sobre bons costumes e o papel que uma esposa deve desempenhar.

Ao mesmo tempo, Gabriela sofre em ter que limitar seus desejos e refrear suas vontades em nome de seu amor por Nacib e seus anseios em fazê-lo feliz e portar-se da maneira que ele julga digna, morrendo aos poucos em nome do amor, afastando-se de sua essência que clama por liberdade.

Essa personagem precursora e audaciosa, tão à frente do seu tempo, provoca tantas reflexões sobre a sociedade, ainda nos dias atuais, e sobre como nosso comportamento em muitos aspectos são conduzidos pelas demandas alheias, muito mais do que por nossa própria vontade ou intenção.

“Tem certas flores, você já reparou?, que são belas e perfumadas enquanto estão nos galhos, nos jardins. Levadas pros jarros, mesmo jarros de prata, ficam murchas e morrem”.

Gabriela é dotada de uma sensibilidade quase inocente que torna impossível ao viajante não se afeiçoar por ela e não querer experimentar a seu lado todos os prazeres que lhe movem e lhe fascinam.

Faça as malas e percorra as ruas peculiares de Ilhéus na década de 20, observando a cultura, a arquitetura e a história dessa cidade baiana, enquanto se delicia com as aventuras de Gabriela e se deixa levar pelo seu romance com Nacib, nesta leitura delicada, deliciosa e memorável.

Vamos viajar?

P.S. – Além de Gabriela, Cravo e Canela, segue uma humilde lista dos livros que eu mais gostei de ler do Jorge Amado: Dona Flor e seus dois maridos, Tieta do Agreste, Capitães da Areia e Terras do Sem-fim.

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