CULPA MATERNA – P. G. S. ZAGO (TEXTO ORIGINAL)


Quem nunca ouviu a frase: nasce um filho, nasce uma culpa?

Eu ouvi esta frase antes de ser mãe. Durante a gravidez, quando muitas amigas mães compartilhavam sua sabedoria comigo e com outras gestantes, tentando nos preparar e prevenir para o que estava por vir quando nossos bebês nascessem.

Eu, mãe de primeira viagem, ouvia a tudo atenta e tentava conjecturar todas as informações e conselhos, me sentindo completamente preparada para os desafios da maternidade, após muitas leituras, inúmeras conversas, e anos de prática com os filhos alheios.

Nos primeiros minutos após chegar em casa com aquele novo bebê, indefeso, minúsculo e cheio de necessidades, eu recebi o primeiro vislumbre da culpa que minhas amigas mães já experientes comentavam.

Já nas primeiras horas em que eu e meu marido nos encontramos a sós com nossa filha, no aconchego e conforto do nosso lar, eu já senti a pressão de exercer os cuidados com ela e a expectativa sobre mim para “saber o que fazer”.

A cada dia que passava, a tensão sobre como exercer os cuidados daquele pequeno ser iam diminuindo gradativamente, até que um novo ciclo começava e tudo ficava fora de ordem novamente. E lá eu encontrava uma maneira de lidar com o desconhecido da melhor maneira possível.

Quando o momento de encerrar a licença maternidade chegou, aí sim essa famigerada culpa recaiu sobre mim de forma pesada e debilitante. A sensação de não ser suficiente passou a me acompanhar diariamente; constantemente. Como acompanha a maioria das mães.

Isso sem mencionar quando decidia fazer algo pessoal, como sair com amigas, ir ao salão de beleza ou fazer uma atividade física. Aí a culpa vinha sufocante, aniquilante, questionando como eu tinha o desplante de passar ainda mais tempo afastada da minha filha, que tanto me necessita.

Eu, assim como muitas mães, me cobrei diariamente por não dedicar a totalidade do meu tempo à minha filha. Me cobrei por querer exercer minha profissão e passar horas afastada, me dedicando ao meu trabalho. Me senti culpada a cada minuto que estava em um restaurante com amigas, passeando no shopping, fazendo meu pilates, cortando os cabelos.

Assisti o meu marido sair com os amigos, jogar futebol uma vez por semana, sair todos os dias para trabalhar, com ombros leves, sem carregar a culpa que eu carregava por passar a mesma quantidade de tempo, ou até menos, ausente como ele. Eu, me sentindo insuficiente. Ele, se sentindo tranquilo.

Ambos, pai e mãe, são marinheiros de primeira viagem nesta emblemática e gratificante jornada que é criar um filho, mesmo quando já o estão fazendo pela segunda, terceira, quarta...vez. Pois cada criança é diferente. Cada experiência é singular.

Mesmo ambos estando em patamar de igualdade na (in)experiência, de certa forma há uma exigência de que a mãe detenha o controle, de que ela saiba o que fazer, de que ela assuma a responsabilidade diante do caos. Enquanto ao pai, é dado descobrir e desbravar, exercer sua paternidade com calma e tranquilidade, adaptar-se ao bebê e o bebê a ele.

Tudo isso decorre do fato de a mãe gestar. De a mãe carregar no ventre aquele bebê por 9 meses. Claro que o vínculo de gestar um bebê é incomparável, mas isto não é garantia de sabedoria, de conhecimento, de controle.

Além disso, se formos considerar que a mãe está passando por um processo hormonal tremendo, que mexe com suas emoções e também com seu raciocínio, essa exigência de assumir o controle de uma situação de total descontrole, não deveria ser socialmente imposta à recém parida mãe.

Da mesma forma, essa premissa também não se aplica aos casos em que a mãe não gestou, como nos casos de adoção, por exemplo. Neste caso, ambos os pais estão conhecendo e se vinculando à criança pela primeira vez, e mesmo assim, a exigência da parentalidade recai sobre a mulher; sobre a mãe.

Por que, então, as mães carregam tanta culpa?

A culpa não é normal, como somos direcionadas a acreditar. A culpa não é apenas um fator interno, como também somos levadas a acreditar. A culpa não depende apenas das mães. A culpa materna é um fator sociocultural, que decorre de uma imposição sobre as mães, que as relega ao posto que é esperado delas, que isola e confina; que afasta e reprime.

Li uma frase que resume bastante a forma como a sociedade encara o desempenho dos papéis de pai e mãe. Não é preciso muito para ser considerado um ótimo pai. Também não é preciso muito para ser considerada uma péssima mãe.

A sociedade julga friamente as mães, ao mesmo tempo em que é acolhedora com os pais. A sociedade suspira ao ver um pai trocando uma fralda, dando uma mamadeira, acordando de madrugada para atender o bebê. Este é um pai exemplar. Ele ajuda a cuidar do filho.

É exatamente por considerar que o pai é um ajudante na tarefa de criar os filhos que as mães carregam tamanha culpa. Porque delas é exigido realizar todas estas tarefas; delas é exigido dedicar-se primordialmente aos cuidados e educação dos filhos, quando aos pais é considerado satisfatório meramente auxiliar a mãe neste papel.

Isto advém de um modelo social retrógrado, em que os homens trabalhavam fora para sustentar o lar e as mulheres desempenhavam as tarefas de cuidar do lar e dos filhos. Hoje em dia esta divisão não existe mais em muitos lares. As mulheres desempenham jornadas de trabalho similares ou até superiores às dos maridos, e ainda assim é socialmente exigido delas que desempenhem as tarefas do lar e assumam o cuidado e educação dos filhos.

Como não sentir-se culpada diante de tantas exigências? Como não sentir-se culpada diante de tantos julgamentos e críticas?

Esses julgamentos e críticas são exercidos por nós mesmas, mulheres, e até por outras mães. Nós julgamos umas às outras, com base nessa exigência que é imposta sobre nós mesmas e que muitas de nós acatamos silenciosamente.

Eu falo por experiência própria, pois eu assumi a maternidade num nível quase inexequível. Me subjuguei ao papel exclusivo de mãe por vários meses. E julguei as outras mães que faziam as unhas no salão toda a semana; que mantinham uma rotina de ginástica; que saiam com amigas ou com o marido, deixando o bebê em casa, e também as que saiam e levavam os bebês para lugares supostamente inapropriados.

Nós não fazemos isso por maldade. Fazemos isso porque este nível de exigência está tão enraizado dentro de nós, enquanto sociedade, que por vezes não conseguimos ser conscientes disso e agimos de modo a perpetuar este tipo de vício terrível.

Olhando para trás, eu talvez não faria nada diferente, mas internamente as coisas seriam sim bastante distintas. Porque hoje, tendo me apropriado de tudo isso, eu percebo quando estes pensamentos e julgamentos tóxicos se formam no meu cérebro e sou capaz de afastá-los.

Hoje eu sou capaz de entender, sem julgamento, a necessidade de outras mães em ter um momento, um espaço, para si mesmas, independente de terem um bebê em casa as esperando; independente da culpa que talvez estejam sentindo por estarem afastadas de seus filhos.

Hoje eu sou capaz de permitir a mim mesma ter meu próprio espaço e um tempo para mim, para desempenhar meus outros papéis, pois entendo que são igualmente importantes, sem me julgar ou repreender por não estar sendo mãe na integralidade.

Hoje eu sou capaz de partilhar as obrigações – pois não são apenas minhas – e dividir o fardo. Sou capaz de relevar muitas coisas e de aceitar minhas próprias falhas.

Hoje eu consigo entender que tudo bem eu não ser uma mãe perfeita. Que me basta ser a mãe mais perfeitamente dedicada que eu puder ser, diante das minhas próprias limitações.

Nós mulheres, mães, temos o dever de buscar esse entendimento para nós mesmas, de propagá-lo entras as outras mulheres e mães e difundi-lo na sociedade. Pois é só quando nós, enquanto coletividade, abrandarmos nossas exigências com relação às mães, que a culpa materna irá verdadeiramente se dissipar.

Comentários

  1. É...ser boa mãe não é pra todas as pessoas. Exige mesmo uma grande dedicação e a culpa é pq queremos estar presentes em todos os momentos da vida dos nossos filhos...mas isso passa um pouco, depois que eles atingem a maturidade ( 30, 40 anos 😺😺)

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