Este é o segundo livro deste
autor brasileiro de 29 anos que está agradando a muitos leitores com histórias
originais e palpitantes, algumas das quais já estão até sendo adaptadas
para as telas, tamanha a repercussão positiva entre o público.
Seu texto é efetivamente muito
bom e instigante, prendendo a atenção do viajante a cada parágrafo, sem
precisar usar de clichês para isso, pois sua escrita é verdadeira e muito
realista.
É muito bom ver o triunfo de
novos escritores brasileiros diante de tanta disseminação das obras
estrangeiras e de tão pouca atenção às novas obras nacionais, e por isso acho
muito válida essa leitura.
Dias perfeitos conta a história de Téo, um estudante de medicina com claras tendências psicopatas, que cuida da mãe que ficou paraplégica em um acidente de carro, no qual ele perdeu o pai, um desembargador envolvido em um esquema de propinas que estava prestes a ser preso, razão pela qual Téo acredita que o acidente, na verdade, tenha sido suicídio, o que ele não apenas valida e compreende, mas também concorda.
O começo da narrativa de Téo já deixa o viajante nervoso e preocupado, pois Téo claramente não possui a mesma escala de valores e tendências de um ser humano comum, e isso se intensifica quando ele conhece Clarice, uma jovem roteirista, extrovertida, que imediatamente chama a sua atenção e desperta nele uma paixão intensa e descontrolada.
Os dois conversam e Téo a segue
até em casa, observando Clarice embriagada cair na sarjeta após beijar outra
menina, e, ao socorrê-la e levá-la até sua casa, ele decide que ela será uma ótima parceira para ele e se determina
apaixonado por ela e obstinado em fazê-la trilhar o caminho que ele acredita
ser o melhor para ela, obviamente ao seu lado.
Téo é um psicopata de manual e a dualidade de sua psique e a forma como ele justifica suas ações, movidas por um sentimento que ele acredita ser nobre e verdadeiro, deixam a trama ainda mais instigante e perturbadora.
"Não supunha
que fosse ser feliz um dia. Sentia-se fadado ao limbo, a monótona rotina,
desprovida de momentos felizes ou tristes. Sua vida era apenas um vazio
preenchido por tímidas emoções."
Téo acaba raptando Clarice, de
forma quase caricata, e se aproveita de sua facilidade em obter fármacos na universidade
para furtar sedativos, os quais aplica em Clarice para leva-la até uma pousada
em Teresópolis, onde Clarice costuma se isolar para escrever, e a partir do
momento em que chegam à Teresópolis uma dinâmica bizarra se desenvolve entre os
dois personagens, ambos repletos de falhas e problemas, o que imprime maior
credibilidade ao enredo.
Téo acredita piamente que todas
as suas ações são justificáveis, na medida em que são movidas por um profundo e
nobre sentimento que ele acredita ser amor, e seu único objetivo é aprimorar a
vida atrapalhada de Clarice e fazê-la atingir todo o seu potencial, o que ele
acredita que somente poderá ser atingido se ela se mantiver a seu lado e seguir
o seu padrão de conduta.
Clarice, obviamente, tenta
escapar de todas as formas, inclusive tentando jogar o jogo de Téo, o que se
revela quase impossível diante de tanta falta de lucidez e da deturpação
completa de seus valores.
As nuances de Clarice, suas próprias
falhas de conduta e de caráter, e a narrativa convincente e deprimente de Téo
quase fazem o viajante se comover e se compadecer dele e, por vezes, quase se
pegar a torcer para que suas ações sejam bem sucedidas. Quase. Afinal, ele é um
psicopata de manual e a maioria das suas atitudes causa arrepios até nos
leitores mais corajosos.
Este livro proporciona duas
viagens concomitantes. Uma através da psique deturpada do personagem principal,
e da mente aprisionada e torturada de Clarice, fazendo o viajante empatizar com
ambos em certo grau e se colocar no lugar de cada um, seja na tentativa de
persuadir Clarice a concordar com suas razões, seja na tentativa desesperada de
fuga.
Outra é através dos cenários
muito vívidos e bem descritos pelo autor dos lugares pelos quais os personagens
viajam, dentro do Estado do Rio de Janeiro, o que dá uma nota de aventura ao
enredo quase policial, e confere um pouco de descontração para toda a trama
audaciosa, misteriosa e envolventemente perturbadora.
O final é extremamente
surpreendente e melancólico e impossível de ser antecipado ou desvendado pelo
viajante, e faz essa leitura angustiante valer muito a pena!
Faça as malas para esta viagem
densa e descontraída na mesma medida, e desvende os mistérios da mente ao lado
de Téo e Clarice, neste thriller psicológico através das belíssimas paisagens
cariocas e observe o que a loucura dos personagens provoca em você!
Vamos viajar?
P.S. - Neste mesmo tema, recomendo a série You da Netflix, que é um pouco mais romantizada e descontraída que este livro, mas também trabalha muito bem a dualidade da psique perturbada do personagem principal ao ponto de quase exercer certo fascínio e empatia.
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