DIAS PERFEITOS – RAFAEL MONTES



Este é o segundo livro deste autor brasileiro de 29 anos que está agradando a muitos leitores com histórias originais e palpitantes, algumas das quais já estão até sendo adaptadas para as telas, tamanha a repercussão positiva entre o público.

Seu texto é efetivamente muito bom e instigante, prendendo a atenção do viajante a cada parágrafo, sem precisar usar de clichês para isso, pois sua escrita é verdadeira e muito realista.

É muito bom ver o triunfo de novos escritores brasileiros diante de tanta disseminação das obras estrangeiras e de tão pouca atenção às novas obras nacionais, e por isso acho muito válida essa leitura.

Dias perfeitos conta a história de Téo, um estudante de medicina com claras tendências psicopatas, que cuida da mãe que ficou paraplégica em um acidente de carro, no qual ele perdeu o pai, um desembargador envolvido em um esquema de propinas que estava prestes a ser preso, razão pela qual Téo acredita que o acidente, na verdade, tenha sido suicídio, o que ele não apenas valida e compreende, mas também concorda.

O começo da narrativa de Téo já deixa o viajante nervoso e preocupado, pois Téo claramente não possui a mesma escala de valores e tendências de um ser humano comum, e isso se intensifica quando ele conhece Clarice, uma jovem roteirista, extrovertida, que imediatamente chama a sua atenção e desperta nele uma paixão intensa e descontrolada.

Os dois conversam e Téo a segue até em casa, observando Clarice embriagada cair na sarjeta após beijar outra menina, e, ao socorrê-la e levá-la até sua casa, ele decide que ela será uma ótima parceira para ele e se determina apaixonado por ela e obstinado em fazê-la trilhar o caminho que ele acredita ser o melhor para ela, obviamente ao seu lado.

Téo é um psicopata de manual e a dualidade de sua psique e a forma como ele justifica suas ações, movidas por um sentimento que ele acredita ser nobre e verdadeiro, deixam a trama ainda mais instigante e perturbadora.

"Não supunha que fosse ser feliz um dia. Sentia-se fadado ao limbo, a monótona rotina, desprovida de momentos felizes ou tristes. Sua vida era apenas um vazio preenchido por tímidas emoções."

Téo acaba raptando Clarice, de forma quase caricata, e se aproveita de sua facilidade em obter fármacos na universidade para furtar sedativos, os quais aplica em Clarice para leva-la até uma pousada em Teresópolis, onde Clarice costuma se isolar para escrever, e a partir do momento em que chegam à Teresópolis uma dinâmica bizarra se desenvolve entre os dois personagens, ambos repletos de falhas e problemas, o que imprime maior credibilidade ao enredo.

Téo acredita piamente que todas as suas ações são justificáveis, na medida em que são movidas por um profundo e nobre sentimento que ele acredita ser amor, e seu único objetivo é aprimorar a vida atrapalhada de Clarice e fazê-la atingir todo o seu potencial, o que ele acredita que somente poderá ser atingido se ela se mantiver a seu lado e seguir o seu padrão de conduta.

Clarice, obviamente, tenta escapar de todas as formas, inclusive tentando jogar o jogo de Téo, o que se revela quase impossível diante de tanta falta de lucidez e da deturpação completa de seus valores.

As nuances de Clarice, suas próprias falhas de conduta e de caráter, e a narrativa convincente e deprimente de Téo quase fazem o viajante se comover e se compadecer dele e, por vezes, quase se pegar a torcer para que suas ações sejam bem sucedidas. Quase. Afinal, ele é um psicopata de manual e a maioria das suas atitudes causa arrepios até nos leitores mais corajosos.

Este livro proporciona duas viagens concomitantes. Uma através da psique deturpada do personagem principal, e da mente aprisionada e torturada de Clarice, fazendo o viajante empatizar com ambos em certo grau e se colocar no lugar de cada um, seja na tentativa de persuadir Clarice a concordar com suas razões, seja na tentativa desesperada de fuga.

Outra é através dos cenários muito vívidos e bem descritos pelo autor dos lugares pelos quais os personagens viajam, dentro do Estado do Rio de Janeiro, o que dá uma nota de aventura ao enredo quase policial, e confere um pouco de descontração para toda a trama audaciosa, misteriosa e envolventemente perturbadora.

O final é extremamente surpreendente e melancólico e impossível de ser antecipado ou desvendado pelo viajante, e faz essa leitura angustiante valer muito a pena!

Faça as malas para esta viagem densa e descontraída na mesma medida, e desvende os mistérios da mente ao lado de Téo e Clarice, neste thriller psicológico através das belíssimas paisagens cariocas e observe o que a loucura dos personagens provoca em você!

Vamos viajar?

P.S. - Neste mesmo tema, recomendo a série You da Netflix, que é um pouco mais romantizada e descontraída que este livro, mas também trabalha muito bem a dualidade da psique perturbada do personagem principal ao ponto de quase exercer certo fascínio e empatia.

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